sábado, 31 de janeiro de 2009

A vela e o veleiro

Foto: Sissi

Dois casais de náufragos chegam à praia deserta, em total escuridão.
Céu e chão, naquele momento, eram só escuridão. Então, não demorou muito e fez-se a luz, mas de uma forma tímida. E lá no fundo, ao invés de um farol piscando, uma luminosidade caminhando em sua direção.
Ainda tremendo de frio e medo, os dois casais viram um velho ermitão se aproximar com a sua tocha na mão. Tudo indicava que ele era um antigo náufrago naquela misteriosa ilha, no meio do nada.
Então, o velho de barbas brancas imensas, disse que tinha a oferecer àquelas quatro pessoas duas opções. Uma vela quente e uma vela fria, para cada um dos dois casais fazer a própria escolha.
O casal mais jovem, e mais ousado, já plenamente recuperado, escolheu a vela quente, pois sentia frio e tal vela podia clarear a sua situação, até o dia renascer.
O casal mais maduro, sempre abraçado, escolhera a vela fria, pois era a única opção que lhe restara, e também pelo fato de que o calor humano de ambos já lhe confortara em toda viagem, e quando mais precisaram.
Então o velho náufrago disse ao primeiro casal que a sua vela quente estava ali no chão e a poderia acender com sua tocha para iluminar aquela escuridão, e isso foi feito.
Dirigindo-se para o casal mais maduro, indicou com o dedo uma direção. Teriam que caminhar toda a noite, na escuridão, mas quando o dia se fizesse presente, encontrariam a resposta para sua opção. E assim, acendendo a vela do casal jovem e apagando a sua tocha, sumiu na escuridão da ilha misteriosa. Habitante dali, desde sempre, conhecia todos os caminhos naquela desolação.
E o casal maduro caminhou toda noite até encontrar, como prometido e subentendido, do outro lado da ilha, já no amanhecer, um belo veleiro branco, e dali, continuaram a sua interrompida viagem de segunda lua-de-mel, em torno do planeta, sempre juntos, pois nem mesmo quando do naufrágio, deixaram de estar em união...
Já o casal jovem, durante a noite, em primeira lua-de-mel, quando a vela apagou e o fogo de seus dias de juventude não foi capaz de reacendê-la, acabaram brigando e confundindo seus medos com o rugido de supostas feras soltas naquela ilha praticamente deserta.
Quando o dia, enfim, renasceu, viram um veleiro branco sumir na linha do horizonte, enquanto os dois preferiram ir cada um para um lado da ilha, fazer sua fogueira para atrair algum outro navegante do amor...

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A vitrine iluminada

(Foto: Canopus)

Dentro da vitrine, o manequim dormia feliz, sonhando com um mundo em que ele poderia ser gente. Em seu sonho, os manequins podiam ter vida, enquanto as pessoas viviam como bonecos, tipo marionetes, sem a consciência de seus títeres.
O manequim dormia em sono profundo quando um clarão o retirou de seu quase eterno torpor. E ali, dentro da caixa de vidro, que era aquela vitrine, tudo se iluminou... E a noite fez-se dia, quase que por encanto...
Mas o manequim, diante da intensa claridade que lhe cegava, pouco a pouco foi percebendo uma algazarra, de vozes e mais vozes se aproximando da vitrine. Alguns vultos irreconhecíveis vinham admirar sua beleza. E ele, o manequim, sentiu-se primeiro como um peixe no aquário, depois um prisioneiro de si mesmo.
Mas, infelizmente, aquela noite que se fez dia e o sonho que tornou-se realidade, não duraram muito; pois, quando o boneco de gesso quis se movimentar, continuou estático, só lhe restando mover os olhos em direção ao público aglomerado diante da vitrine. Era um estranho casal que não se olhava nos olhos e duas crianças que não piscavam jamais, mas que do outro lado do vidro agiam como que encantados por sua vida tão banal. Não se mexiam, não falavam, apenas o olhavam sem mesmo piscar os olhos, sempre em sua direção. Uma família misteriosa que adorava visitar vitrines e nada mais.
Quando o manequim, enfim, começou a mexer os dedos dos pés e depois os das mãos, apesar de algumas rachaduras em sua pele, pôde dar alguns passos em direção à vitrine, quando algo sobrenatural aconteceu. A caixa de vidro iluminada pela luz do sol artificial, de repente se escureceu de novo, num blecaute interminável...
A última imagem que o manequim pôde recuperar de sua memória, antes da escuridão total, foi o olhar de espanto dos quatro seres do outro lado da vitrine iluminada, quando o boneco quase tocou naquela mágica vidraça. O mais velho e alto deles sacou de uma estranha arma, cheia de botões e apontou em sua direção, disparando um raio de luz, e o sol nunca mais apareceu. Algo que o impressionou por demais. E daquele momento em diante, o manequim petrificado voltou a sonhar em tornar-se gente, enquanto os quatro seres do outro lado da vitrine preferiram viver, como sempre, presos em si mesmos, visitando vez por outra vitrines iluminadas por sua aflição.

sábado, 10 de janeiro de 2009

(R)evolução



Ano:2050

Planeta: Terra

A genialidade humana faz o mundo chegar ao ápice da sua evolução tecnológica e científica. Ao mesmo tempo, humanos passam por um estranho fenômeno. São aos poucos transformados em corpos solidificados em ferro e fibra. O fenômeno, a princípio imperceptível, tem como principais sintomas a diminuição das sensações e dos sentimentos. Atinge inicialmente o coração que passa por um processo de endurecimento gradativo até petrificar-se completamente e assim, outros órgãos vão sendo atingidos pelo fenômeno. Em pouco tempo, o corpo ganha formas compactas, muito semelhante à das máquinas. Homens-máquina são criados aos milhões todos os dias, principalmente nas grandes metrópoles.

Fruto de sua extraordinária inteligência e da iminente necessidade de apoio às suas tarefas, cada vez mais amplas e difusas, passam a criar robôs dotados de “qualidades humanas”.

Assim, passam a conviver civilizadamente, homens robotizados e robôs humanizados.

Mas os cientistas alertam para o surgimento de uma nova espécie já encontrada em algumas partes do planeta. Denominada pelos estudiosos como Homo Conscientes, a nova espécie tem formas físicas muito parecidas às do Homo Racionales, difere-se no entanto, no uso consciente da sua inteligência.

Creio que estes não necessitem criar robôs à sua imagem e semelhança.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A fábula revisitada

Foto: João Chaves

Dormia de dia, cantava a noite, a talentosa cigarra, durante todo o verão...
Quando o inverno chegou, trazendo frio, chuva e desolação, a formiga operária, que trabalhara de sol a sol, carregando suprimentos para enfrentar os rigores que viriam, ficara a sorrir da tola esperteza da cigarra, que nada juntara nesse tempo todo.
Porém, a formiga desconhecia todos os cantos e encantos da cigarra, que em sobrevoo sobre o formigueiro, convenceu a grande maioria de que ela tinha tempo e talento suficientes para liderar a todos, precisando continuar livre, leve e solta pra desempenhar com maestria sua nova atribuição.
A formiga operária quis liderar um protesto, mas foi sumariamente presa por ordem da nova líder, a cigarra-mor, que eleita pelas demais formigas, passou a legislar em causa própria, sem que ninguém desse conta.
E naquele bosque em miniatura acontecia incrivelmente em microscópicas dimensões o que nas cidades ao longe outras cigarras e formigas replicavam em maior proporção...
Quando uma formiga dava-se por conta de tudo, e acordava para a vida, curiosamente acabava esmagada supostamente pelos pés ou mãos de meninos gigantes (versão modelo registrada no boletim oficial).
E desde então, cigarras e formigas continuaram a viver em sonolenta comunhão...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Colcha de Retalhos


Despejou seu corpo arfante sobre a cama enquanto pensava em cada uma das formas coloridas que entremeavam a colcha já antiga e desbotada que descansava sobre ela. Fora colecionando pedaços que ganhara. Cada um guardava uma história. Histórias de muitos, alguns que nem mesmo conhecera, outros que já não recordava o nome.
Mas já não suportava encobrir-se com ela. Divagou em pensamentos, cochilou...
Um vento vigoroso adentrou à janela desamarrando os fios que uniam cada parte da colcha que lentamente se desfazia no ar e sumia no horizonte.
Fora tomada, de súbito por uma sensação de leveza indescritível. Sorriu, voltando o olhar para a cama nua. Sobre ela repousava agora, apenas um novelo de lã e um par de agulhas.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Aprisionados entre o real e o imaginário


Um pescador solitário passeava pela praia deserta.
No meio do caminho ensolarado achou uma pequena bola de cristal com um bonequinho dentro, indo e vindo sem sair do lugar.
Uma mulher alta e bela, toda vestida de branco, vindo do nada, apareceu em sua direção.
Naquele instante o mar silenciou. O vento sumiu. O tempo parou.
O pescador continuou indo e a mulher vindo, sem à distância se alterar.
Quando ele quis voltar, tropeçou nas pernas. O vilarejo em que morava manteve-se distante.
A mulher de branco continuou tranqüilamente em seu encalço.
Ele pensou ser algo sobrenatural, mas o eclipse do sol mudou sua opinião.
Ao olhar para o céu, descobriu um olho escuro e gigante de um menino que brincava com sua bola de cristal, correndo pela praia deserta, feliz por ter encontrado aquele presente caído do céu, enquanto uma mulher de branco, vinha caminhando em sua direção...

Observação: Imagem extraída da Internet no seguinte endereço: http://www.negociosdojapao.com.br/index.php/2007/05/02/ilusao-de-otica-2/)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Um caso Gramatical


Ele, sujeito simples
Artigo bem definido
Fazia um gênero assim, primitivo.
Ela, monossilábica solidão.
Procurando seu verbo de ligação.
Se encontraram, deu-se a conjunção.
Ela átona
Ele, um hiato silencioso
Mas era fato, estava posto
Mera análise sintática
Do seus pretéritos tão imperfeitos
Para o seus períodos compostos.

(...)

E o futuro
Estava escrito
E nas letras
A explicação
Da semântica existencial
Uma aliança selada
Um complemento nominal.
Por amor e concordância
E não havendo nada a mais
Uniram em cerimônia
suas sílabas bilabiais.
E seguem assim, juntos
Para o verbo amar
Até o infinito conjugar.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Palíndromo amoroso

(Foto: Ricardo Jaime Simões)

Eram estranhos...
Conheceram-se.
Por sete anos viveram juntos.
Separam-se.
Por sete anos ficaram distantes.
Reencontraram-se.
Eram estranhos...

José Antonio Klaes Roig

sábado, 3 de janeiro de 2009

Rápido movimento do olhar - O blog


O que é R.E.M.?
Além de nome de banda de rock norte-americana, segundo a wikipédia é:

"O sono R.E.M., ou Rapid Eye Movement (Movimento rápido dos olhos), é a fase do sono na qual ocorrem os sonhos mais vívidos. Durante esta fase, os olhos movem-se rapidamente e a actividade cerebral é similar àquela que se passa nas horas em que se está acordado. As pessoas acordadas durante o sono REM, normalmente, sentem-se alertas, com maior índice de atenção e refrescadas, ou mais dispostas e prontas para a actividade normal. Os movimentos dos olhos associados ao REM são gerados pelo NGL (ver versão inglesa) do Tálamo e associados a ondas occipitais. Durante o sono REM o tônus muscular da pessoa diminui consideravelmente.

Duração do sono REM
Durante uma noite de sono, uma pessoa normalmente tem cerca de 4 ou 5 períodos de REM, que são bem curtos no começo da noite e mais longos no final. É comum acordar por um curto período de tempo no fim de um acesso de REM. O tempo total de sono em REM ronda os 90 a 120 minutos por noite para adultos. Entretanto a quantidade relativa de sono REM diminui acentuadamente com a idade. Um bebê recém-nascido dorme mais de 80% do tempo total de sono em sono REM; enquanto uma pessoa de 70 anos dorme menos de 10% em sono REM. A média para adultos jovens é 20% do tempo total de sono ser em sono REM. (MARKS, 1995; REIMÃO, 1996; SIEGEL, 2003)."


Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/REM_(sono)

Objetivo do blog:

Parceria entre José Antonio Klaes Roig, educador, poeta e escritor, residente em Rio Grande - RS - Brasil, com Elisângela Zampieri Panisson, educadora, poeta e escritora, residente em Curitibanos - SC - Brasil, que como colegas e amigos virtuais, resolveram criar um ambiente virtual para escrever coletivamente breves poemas e minicontos, além de pensamentos passageiros sobre coisas duradouras da vida real e virtual.

Observação: Imagem extraída da internet, do endereço abaixo, meramente ilustrativa da questão do "movimento rápido dos olhos", pela questão de olhar com um relógio em seu interior...
http://www.overmundo.com.br/_banco/multiplas/1217195678_olhos.jpg