sexta-feira, 8 de maio de 2009

O algoritmo da chuva

(Foto: Emanuel Couto)

Lá fora chovia muito, enquanto que dentro da casa a mulher chorava uma goteira sem parar...
A mulher solitária de fato e de direito, e o temporal que rosnava do lado externo não era maior nem pior do que o que estava avançando em seu interior...
A cada relâmpago lá fora, o coração da mulher disparava, seus olhos piscavam sem parar e mil flashes de lembranças perdidas, como num filme, passavam sem estrondo diante daqueles olhos que julgavam já ter visto de tudo na vida. Flashes da vida que teve um dia e que deixou desaguar pela ribanceira do rio-vida, soterrando a sua casa imaginária...
Era um dia como outro qualquer... Mas ela não era mais a mesma há muito tempo, desde que aquela casa deixou de ser o seu lar...
O vento assobiava lá fora, e as telhas da casa ameaçavam levantar voo; os pássaros, desnorteados, voavam em círculos, e o algoritmo da chuva codificado nos pingos que caíam nas poças d'água, demonstravam que a cada minuto, os mesmos pingos caíam sobre os mesmos locais, assim como os mesmos erros se repetem por toda vida sem que as pessoas deem-se conta dessa misteriosa matemática...
Ver aquilo foi pra ela a gota d'água. Preferiu sair somente com a roupa do corpo pra rua, no meio da chuva, antes que ele, o Ilustre Desconhecido que com ela vivia sem conviver retornasse faminto do trabalho... E assim o fez, e de corpo e alma, literalmente desaguou, sumindo pelo breu que se fez o dia, por conta daquele estranho temporal de emoções...
O tempo passou, e a mulher continuou solitária, noutra casa, noutra cidade, noutro trabalho... E ali, fotocopiando a vida pros outros, um dia sentiu um pingo cair sobre sua cabeça quando o colega disse que a vida era estranha... De pingo em pingo aquilo tudo virou uma improvável goteira... Era um dia como outro qualquer... Estava sol forte, de repente nuvens carregadas estavam lá fora de novo. Um temporal ameaçava por ali desabar... Era hora do almoço e os dois colegas ilhados em poucos instantes... Foi então quando a matemática dos dias, horas, minutos e segundos, em seu algoritmo peculiar que lembra o cair dos pingos da chuva numa poça d'água, misterioso balé aquático, abriu uma pequena passagem para outra dimensão...
O homem apenas pegou seu guarda-chuva preto e fez um sinal com a mão para ela: vem! E ela, naquele instante, não sabia como, perdeu por completo o medo da chuva lá fora, pois ali embaixo daquele guarda-chuva, sinônimo de abrigo e proteção, pareceu-lhe mais do que a grande metáfora da redenção... E os dois saíram à rua, bem juntinhos, sob o mesmo abrigo de lona e armação de arame, desviando das poças d'água pelo caminho, até o restaurante, ambos em silêncio, olhando-se sem nada dizer, pois as palavras nesses momentos mágicos perdem o sentido... São apenas pingos de chuva numa poça d'água qualquer a pipocar...

4 comentários:

Elis Zampieri disse...

Volto pra comentar depois, o texto e a imagem. :-)

Elis Zampieri disse...

Oi Zé, voltei :-)
Seu texto remeteu-me à ideia de que cabe a nós, embora muita coisa esteja já escrita a responsabilidade com o futuro. É o que denominamos livre arbítrio. Nossa vida está em nossas mãos e é em grande parte, o resultado de nossas escolhas.
Acho que isso somado a analogia que criou usando os pingos da chuva, é um pouco do que tentei passar com a imagem.

Bjos e bom fim de semana, amigo.

José Antonio Klaes Roig disse...

Oi, Elis. Bela imagem. Adorei.
É, a analogia com a chuva e uma imenso sistema operacional tema ver com esse livre arbítrio que nós, usuários, temos... hehehe
Um Feliz Dia das Mães pra você, amiga!!!

Taissa Drummond disse...

Somos como ondas indo e vindo do oceano sem nunca deixar de sê-lo.

Amei!

Eu tento:
http://taissadrummond.blogspot.com/2009/03/como-agua-que-corre.html

rs!