domingo, 12 de junho de 2011

A cadeira de balanço

 [Imagem de autoria desconhecida]

E a moça fechou os olhos e deixou-se balançar pelo tempo, naquela cadeira encantada, que fora de sua mãe, da mãe dela e doutras tantas mães.
Era tarde quando adormeceu sobre a cadeira de balanço mágica, acordando numa manhã qualquer,de um dia qualquer.
Custou a abrir os olhos, que pareciam concretados, aflita, começou a chorar. Quando o rio interior tornou-se um mar, despertou...
A casa, estava com a pintura renovada, o jardim que não existia mais, todo florido.
Ela, que fazia décadas não usava mais vestido, estava com um cheio de babados e seu cabelo curto, tinha crescido e com tranças.
Quando levantou-se da cadeira de supetão, olhou tudo em volta e não acreditou. Foi olhar para dentro da casa e o vidro da janela a assustou.
Ela ainda tinha trinta e poucos anos, mas seu reflexo no vidro da janela empoeirada do tempo contradizia sua visão.
Lá dentro, na cozinha, sua mãe, sem as rugas costumeiras, continuava a pilotar o fogão.
Com todo o cuidado, a mulher, metamorfoseada por conta da misteriosa viagem no tempo, foi abrindo a porta da memória e adentrando em seu interior.
Pé ante pé, a mulher em forma de menina, sem saber, foi repisando os mesmos passos de outrora.
Ela nem sabia que ano, mês, dia ou hora eram aqueles. Sabia apenas, a duras penas, que aquela volta era necessária para ambas: à menina e à mulher.
Sua mãe fazia um bolo simples, mas não era um bolo qualquer. Era um bolo de aniversário. O seu aniversário.
Seu pai chegou da rua, todo apressado e ao ver mãe e filhas juntas, diante do fogão, foi até o armário e de lá de dentro pequena magia realizou.
Trouxe uma caixa de papelão, forrada com papel de presente barato, mas que fora embrulhado com toda riqueza da situação.
O homem era sério, de poucas palavras, mas ao estender os braços à menina, nenhuma palavra poderia dizer mais do não foi dito por ambos.
O silêncio falou mais que todo um dicionário do cotidiano daquela família, vivendo no meio do nada.
Era noite, quando todos resolveram dormir. Naquela noite a menina não queria mais adormecer, queria tecer o tempo, ficar ali para sempre.
O pai disse que iria vender a cadeira de balanço, que lhe trazia lembranças tristes da sua mãe.
Mas a menina, perdida no tempo, saiu correndo em direção aos pais, pedindo aos prantos: Nunca se desfaçam dela para que eu possa voltar.
Pai e mãe olharem-se com cuidado, pensando em voz alta: criança diz cada coisa!
Pedido respeitado, diante das dificuldades familiares, o pai foi vendendo pedaço por pedaço do terreno em torno da casa.
Porém, jamais se desfez da cadeira, mesmo quando a menina cresceu e para a cidade grande se mudou.
Dizia para si mesmo, com certa dor no peito: Um dia ela voltará, eu sei disso, ela prometeu.
Era inverno, quando a menina, no meio daquela noite fria, sem nenhum agasalho, sentou-se na cadeira de balanço e tornou a adormecer.
Quando abriu os olhos, era um dia como outro qualquer, mas ela não era mais a mesma, nem a cadeira de balanço, sua companheira de viagem.