quinta-feira, 2 de abril de 2009

Olhar Implacável


(Tela de Pablo Picasso)

Cruzou com ela hora qualquer do dia. Tinha muito tempo que não a observava com atenção. Mirou-a, frente e verso, não aprovou o que viu. Estava um bocado abatida, e aquelas olheiras então! Havia engordado também. Os cabelos brancos insistiam em denunciar seu auto-descaso. Que desleixo! Tinha o olhar vazio, sem brilho e algumas rugas precoces.

Já fora mais feliz. A vida que já fora mais generosa com ela, agora parecia esvair-se fazendo-a parecer estranhamente inanimada. Espantou os pensamentos piedosos. Não gostava deles.

_ Reage menina!!! - Pensou com seus botões - Tão jovem ainda!

E que peso parecia carregar sobre aqueles ombros que pendiam para frente como se sobre eles descansasse o mundo.

Não era feia, mas os traços delicados se encondiam agora sobre as sombrancelhas esguias que quase se encontravam sobre o vinco fundo formado entre o vão dos olhos. Tinha apenas trinta e dois anos, mas aparentava quarenta - para ser generosa com ela.

_Para de pensar bobagem e vai cuidar da sua vida!
Era isso mesmo que ia fazer. Cuidar da vida. Afinal sabia quanto os espelhos eram cruéis e o quanto as coisas desta vida eram passageiras.

Olhou para fora e para dentro dizendo para si mesma o que ela, previdente e parcimoniosa julgava saber de tempo.

_Sossega criatura, você já morreu tantas vezes que já devia estar acostumada.

2 comentários:

José Antonio Klaes Roig disse...

Oi, Elis, quando li teu texto, lembrei dessa tela do Picasso, que mostra a mulher diante do espelho, que extraí do endereço abaixo:
http://www.algumapoesia.com.br/poesia3/poesianet261.htm
Tenho lido pro mestrado sobre a imagem especular, e adoro a visão de Bachelard que fala da imagem da água como profundidade e a do espelho como superficilidade. A água é natural, o espelho artifical. Teu texto traz a questão da imagem do espelho, da imagem de si, me fez lembrar muitas coisas. Muito bom o texto. Um abração,

Elis Zampieri disse...

Obrigado Zé! Muito interessante a pintura de Picasso, que além de ilustrar o post, remete à questão da imagem fragmentada através do cubismo que pode representar às diversas imagens que temos de nós diante do espelho.
Adorei.
Bjão.