sábado, 26 de novembro de 2011

Outra



Dos dias que começavam cedo, gostava de abrir janelas, desempoeirar os tapetes, deixar que o resto de sol que se desviava dos prédios, entrasse por entre a janela grande da sala. Os raios desenhavam sombras no chão.  No  quarto dos fundos, algumas coisas dele ainda permanceciam lá. Não sabia ao certo porquê.  É provavel que os amantes se despeçam assim, aos poucos, porque insista neles alguma espera, alguma lembrança ou saudade. As vezes escolhe-se sofrer devagar. Truque apenas,  para se continuar vivendo. Havia ainda a asa quebrada. Havia ainda uma leve tristeza e um algo que pendia da asa quebrada. Era inútil a tentativa de alinha-la ao corpo, as vezes. Mas agradecia pela memória pouca que vinha aperfeiçoando. Nunca pensara que isso lhe serviria um dia. E da janela,  via o mundo, e da janela vê-se o que se quer. Entendia enfim, que a realidade não é algo estático. Suas lentes agora refletiam a mobilidade. A mobilidade que só enxerga quem quer, e que sabe que depois da janela e dos prédios e das coisas todas do mundo, no fim ou no começo de tudo, deve haver alguma coisa, e a simples desconfiança, abre todas as janelas. E o resto de sol, procure as frestas, os cantos, os buracos, e devagar ocupe a sala, o quarto. E não é de fora que se vê, é de dentro. E por que olhar de longe, se pode descobrir de uma vez por todas, que de perto ja é outra?


Observação: Imagem extraída deste endereço
http://umacancaoedipiana.blogspot.com/2010_11_01_archive.html

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A Escavação II

[Imagem de autoria desconhecida]

Estava ali sozinho no sítio, o arqueólogo de si mesmo, examinando camadas e mais camadas geológicas de sua vida, até que a primeira chupeta e o cordão umbilical achou. Ouviu um choro de criança. Levantou-se de supetão. Olhou em volta e nenhuma viv'alma. Junto dele, apenas sombra de um menino que no tempo se perdera... soterrado pelas próprias divagações...

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Encantada

 (imagemn de autoria desconhecida)

Naquela manhã, o sol acordou dourado e os cabelos da menina, antes lisos, estavam todos cacheados. Caminhara pelo bosque florido rumo a uma escola de vidros espelhados. Tinha que reencontrar um velho amigo que ela nem sabia como estava naquele local dando aula. As crianças o rodeavam, encantadas com o jogo de espelhos que mostrava no vidro liso o futuro profundo que um dia lhes seria ofertado. Maravilhada com a cena, a menina de repente amanheceu. No quarto escuro, seus olhos castanhos se tornaram azulados e lamentou tudo ter passado, tudo ter sido apenas um sonho bom. Existem coisas que nos transpassam, mas nunca passam. A amizade, mais que o amor, era uma dessas coisas que a menina descobrira ao tornar a ver no espelho do quarto seus cabelos novamente lisos... Surpreendeu-se quando viu um pequeno ramo verde entre os seus fios dourados, talvez recolhidos sem perceber, quando adentrou no bosque do sonho encantando... Encantou-se, então, com a possibilidade de estar sonhando acordada, mergulhando de corpo inteiro no espelho de pentear saudades...

domingo, 12 de junho de 2011

A cadeira de balanço

 [Imagem de autoria desconhecida]

E a moça fechou os olhos e deixou-se balançar pelo tempo, naquela cadeira encantada, que fora de sua mãe, da mãe dela e doutras tantas mães.
Era tarde quando adormeceu sobre a cadeira de balanço mágica, acordando numa manhã qualquer,de um dia qualquer.
Custou a abrir os olhos, que pareciam concretados, aflita, começou a chorar. Quando o rio interior tornou-se um mar, despertou...
A casa, estava com a pintura renovada, o jardim que não existia mais, todo florido.
Ela, que fazia décadas não usava mais vestido, estava com um cheio de babados e seu cabelo curto, tinha crescido e com tranças.
Quando levantou-se da cadeira de supetão, olhou tudo em volta e não acreditou. Foi olhar para dentro da casa e o vidro da janela a assustou.
Ela ainda tinha trinta e poucos anos, mas seu reflexo no vidro da janela empoeirada do tempo contradizia sua visão.
Lá dentro, na cozinha, sua mãe, sem as rugas costumeiras, continuava a pilotar o fogão.
Com todo o cuidado, a mulher, metamorfoseada por conta da misteriosa viagem no tempo, foi abrindo a porta da memória e adentrando em seu interior.
Pé ante pé, a mulher em forma de menina, sem saber, foi repisando os mesmos passos de outrora.
Ela nem sabia que ano, mês, dia ou hora eram aqueles. Sabia apenas, a duras penas, que aquela volta era necessária para ambas: à menina e à mulher.
Sua mãe fazia um bolo simples, mas não era um bolo qualquer. Era um bolo de aniversário. O seu aniversário.
Seu pai chegou da rua, todo apressado e ao ver mãe e filhas juntas, diante do fogão, foi até o armário e de lá de dentro pequena magia realizou.
Trouxe uma caixa de papelão, forrada com papel de presente barato, mas que fora embrulhado com toda riqueza da situação.
O homem era sério, de poucas palavras, mas ao estender os braços à menina, nenhuma palavra poderia dizer mais do não foi dito por ambos.
O silêncio falou mais que todo um dicionário do cotidiano daquela família, vivendo no meio do nada.
Era noite, quando todos resolveram dormir. Naquela noite a menina não queria mais adormecer, queria tecer o tempo, ficar ali para sempre.
O pai disse que iria vender a cadeira de balanço, que lhe trazia lembranças tristes da sua mãe.
Mas a menina, perdida no tempo, saiu correndo em direção aos pais, pedindo aos prantos: Nunca se desfaçam dela para que eu possa voltar.
Pai e mãe olharem-se com cuidado, pensando em voz alta: criança diz cada coisa!
Pedido respeitado, diante das dificuldades familiares, o pai foi vendendo pedaço por pedaço do terreno em torno da casa.
Porém, jamais se desfez da cadeira, mesmo quando a menina cresceu e para a cidade grande se mudou.
Dizia para si mesmo, com certa dor no peito: Um dia ela voltará, eu sei disso, ela prometeu.
Era inverno, quando a menina, no meio daquela noite fria, sem nenhum agasalho, sentou-se na cadeira de balanço e tornou a adormecer.
Quando abriu os olhos, era um dia como outro qualquer, mas ela não era mais a mesma, nem a cadeira de balanço, sua companheira de viagem.