quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Silêncio


(imagem do Flickr)

Eu só fico quieta quando quero ouvir um recado. Não que eu não saiba, também não é que eu tenha pressa. Ganhei um par de sapatos novos e dei de pisar com mais cuidado e de caminhar um andar mais atento.  Mas tem dia que silêncio incomoda. Dia que silêncio incomoda é dia que a gente escuta o vento que faz música entre o beiral e a fresta da janela e a quietude vira coisa que a cabeça quase esqueceu, mas por descuido foi largada num lugar qualquer, ficou à vista. Aí ja viu! Bem falava minha mãe... A tivesse ouvido e teria aprendido a separar lembranças. Algumas eu largaria no fundo da gaveta, onde só se mexe quando a gente precisa rever a chuva que ja mofou as palavras, nem que vez por outra eu desse de cara com a minha covardia. Minha casa é ficar quieto, mas tem dias que o barulho do mundo faz falta. Barulho do mundo é quando a vida pisca no semáforo, e tem gente cruzando a avenida, e criança correndo atras da felicidade, porque o amigo chutou muito forte. Quando eu descobri o barulho do mundo não quis mais saber do silêncio, desses, que viram dor e abraçam o peito. Quando eu nasci, eu descobri uma cidade chamada Silêncio. Seis horas da tarde tudo parava. E a quietude se espichava até o dia seguinte quando os galos, acordavam o silêncio e Silêncio acordava. Mas nem acordada fazia barulho. Silêncio era uma pausa bem comprida. Se não fossem os galos e dona Nenê que vendia doces de coco logo cedinho e tinha voz alta e batia de porta em porta, perigava de Silêncio passar o dia dormindo. Foi lá que eu vivi até a mocidade. Foi quando eu achei que felicidade devia ser uma coisa bonita que fazia barullho. Agora, quando vira outra vez silêncio eu aproveito para ir colocando umas palavras. Sempre gosto mais das palavras que dá pra gente escrever quieto. Quando vou no mundo é tanta coisa, que nem lembro. Agora eu ja me acostumei dessas coisas sem serventia e se o vento bate na janela, eu ja nem ligo mais, eu vivo mesmo é de emendar saudades!

Observação: Imagem acima, extraída do endereço abaixo
http://farm4.static.flickr.com/3194/2941879935_024054b1ce_m.jpg

Um comentário:

José Antonio Klaes Roig disse...

Oi, Elis.
Um belo texto, com tei estilo inconfundível de dizer através do subentendido, de dar vida as entrelinhas...
Adorei todo o texto, mas essa frase me inspirou na busca pela a imagem acima, para ilustrar o mesmo:
"Ganhei um par de sapatos novos e dei de pisar com mais cuidado e de caminhar um andar mais atento."
Acho que um par de sapatos de vento para pisar com toda a delicadeza que teus escritos nos brindam. Parabéns, cara colega e querida amiga, cada dia escrevendo melhor. Abrs, Zé Roig.